Ele sonhava em seguir carreira militar. E lutou com todas as suas forças para isso. Todavia, quis o destino que exercitasse seus múltiplos talentos antes de descobrir sua verdadeira vocação. Foi engraxate,guarda mirim, jornalista, radialista, policial civil, empresário, ajudante de palhaço, até se tornar juiz de Direito. Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira é o atual titular da 4ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco. Na semana passada, o magistrado recebeu mais uma missão. Foi empossado no cargo de membro titular da Classe de Juiz de Direito do Tribunal Regional Eleitoral do Acre, compondo a Corte Eleitoral, durante o biênio 2015/2017. Nasceu em 19 de agosto de 1969 na cidade do Rio de Janeiro – RJ, fruto do romance entre a acreana Terezinha e o amazonense Luiz Gonzaga. A mãe deixou a terra natal rumo a cidade maravilhosa na condição de empregada doméstica da família do soldado do exército Gonzaga. Não demorou muito para os dois se apaixonarem e gerarem o obstinado Cloves, que só veio a descobrir que era carioca aos seis anos de idade, quando encontrou por acaso sua certidão de nascimento. – Até então eu achava que era acreano de Rio Branco, porque foi aqui que eu cresci, na Seis de agosto. A partir dali fiquei sabendo que meus pais se afastaram logo após o meu nascimento e que minha mãe voltou para a sua cidade-, explica. De volta a capital acreana, Terezinha passa a viver com a mãe de criação, Lioneza Ferreira, que passará a ser a grande referência na vida do menino Cloves. – Minha avó criou minha mãe e me criou. Ela ficou viúva com 26 anos, cinco filhos. Abdicou de ter uma nova vida conjugal, de ter uma outra pessoa porque só tinha filhas mulheres. Dizia que não queria ter marido para não dá padrasto para as suas meninas -, relata em tom de admiração. De acordo com o juiz, para sustentar as filhas e o neto, Dona Lioneza ministrava aula de manhã, fazia escola normal no horário da tarde e à noite era professora do Mobral. Os afazeres domésticos eram realizados de madrugada e no intervalo de uma atividade e outra ela preparava as refeições. – Ela ensinou os filhos a fazer de tudo. Educou para a vida. Aos oito anos eu já lavava as minhas roupas. Depois ela ia lá e dava uma ajeitada. Foi quem me levou na escola, quem me deu amor -, conta carregado de emoção.
O ingresso na Guarda Mirim
Incentivado pela avó, desde cedo, Cloves sabia que o estudo era seu grande trunfo. Assim focou sua vida. Roberto Sanches Mubarac, Anita Garibaldi e Neutel Maia, foram algumas das escolas que frequentou na infância, antes de entrar para a Guarda Mirim.
Vou dizer uma coisa, ali a gente aprendeu civismo, respeito aos mais velhos, hierarquia e amor pelos símbolos do Brasil. A gente olhava assim, via os militares marchando, tinha vontade de ser militar, policial, ser uma pessoa de bem. Era o meu sonho. Meu pai foi soldado, fez parte da primeira turma da Polícia Militar do Acre, meu tio sargento. Então eu sempre sonhei com isso. Sempre tive a minha história ligada com isso. Quando surgiu a chance de ir para a Guarda Mirim eu fui’’.
Trabalho de engraxate leva ao 1º emprego
A guarda mirim oferecia alimento, alojamento, educação moral e cívica. Porém, o lazer do final de semana, era garantido graças ao trabalho de engraxate na Praça da PMAC e no Hotel Chuí, onde atualmente funciona a sede da prefeitura de Rio Branco. E como engraxate ele conheceu o Senhor Jairo da Copibrasa, que lhe ofereceu seu primeiro emprego. ‘’ Fui engraxar sapato lá na loja que ele estava. Então falei que estudava e que era da Guarda Mirim, foi quando ele perguntou se eu queria trabalhar para ele como office boy. Ele pediu para eu ir fardado. Aceitei e fui’’, recorda. Além dos trabalhos externos,o menino Cloves também teve a oportunidade de aprender a usar a fotocopiadora. ‘’ Era uma ciência na época. Tinha que usar produtos químicos. Hoje não deixariam fazer isso’’, observa. E foi durante um atendimento a um cliente que ele se deparou com o edital do concurso para o colégio militar. ‘’ Uma pessoa foi lá tirar a cópia do edital, ai eu tirei uma cópia para mim também. Era o meu sonho. Fiz a inscrição e passei’’, conta.
O ingresso no Colégio Militar
Mas, infelizmente, somente a aprovação não era suficiente para garantir o ingresso no colégio militar. Além de uma excelente nota, o entusiasmado Cloves necessitava também de dinheiro para os gastos iniciais.Nesta ocasião, uma pessoa foi fundamental para a concretização do sonho, capitão Jarbas, ele apadrinhou o menino sonhador e assegurou que ele seguisse seu destino. – Eu falei, passei mais não vou, porque não tenho condições, ele, o capitão Jarbas, disse vai sim, e junto com outros oficiais e alguns empresários cuidaram de tudo. A minha família ajudou, mas foi com pouca coisa. Foi a guarda mirim que me proporcionou. Eu conseguir uma gratuidade para não pagar a mensalidade. Eu tinha 13 anos. Estudei até a oitava série, mas em 1985 houve o fim do período militar. Com as entrada do governo civil reduziram as verbas e eu perdi a gratuidade. A carreira militar morreu ali, mas o que eu tinha adquirido em conhecimento, primeiro grau muito forte, foi uma base para deslanchar para outras carreiras’’, assegura o magistrado.
Policial civil antes de completar 18 anos
Na expectativa de ganhar dinheiro e retomar o colégio militar, aos 16 anos, Cloves troca Manaus, no Amazonas, por Porto Velho, em Rondônia. Sem dinheiro, inicialmente, busca abrigo na casa de amigos e, depois, começa a trabalhar em lanchonetes e hotéis para pagar o aluguel de quartos em casas de famílias. E mesmo com todas as dificuldades, ele conclui o segundo grau e antes mesmo de completar 18 anos consegue aprovação no concurso da Polícia Civil do Estado de Rondônia, em 1987. ‘’ Passei no começo do ano e tive que esperar até agosto, quando completei 18 anos, para poder assumir’’, conta orgulhoso. E assim segue, o nosso bom menino, estudando e trabalhando.
Jornalista por acaso
Na Polícia Civil é lotado no Departamento de Informações, o que corresponde ao setor de inteligência. Sua função: fazer acompanhamento dos movimentos sociais e partidos políticos e produzir relatórios endereçados ao secretário da pasta. Para obter as informações necessárias sem despertar muita atenção, ele decide ser jornalista, então procura o jornal local o Guaporé e pede uma oportunidade para aprender o ofício da escrita. – Conheci um jornalista chamado Alex Fernandes. Ele foi com a minha cara. Eu queria aprender a escrever para jornal, então ele me deu um tema para escrever, fez as correções e disse, olha esse texto não está jornalístico, mas pode ser transformado e me deu as dicas-, informa. No ano de 1989, o Brasil vive a euforia das Diretas Já, eleição presidencial. Na qualidade de policial, o até então aprendiz de jornalista, conseguia acompanhar os candidatos e, àsvezes, até trabalhava na estrutura de segurança dos mesmos durante as visitas ao estado rondoniense. – Na condição de policial conseguia boas fotos, cobertura com roteiro e tudo. Ai, o dono de jornal me fez uma proposta para que eu ficasse de vez no jornal, ai fui contratado como repórter provisionado e aquilo que era bico se transformou numa profissão, – revela.
Eu tentava unir as duas coisas, como policial eu conseguia as informações que o repórter não tinha acesso e, as vezes, como jornalista conseguia uma informação que policial não conseguiria, e fui me transformando mais jornalista do que policial, fui gostando e virei editor de polícia’’.
O nascimento de J. Cabral
A cobertura do noticiário policial faz tanto sucesso que logo chega um convite para participação em um programa de rádio. Uma das primeiras exigências é a definição de um nome artístico e assim Cloves Augusto Ferreira Cabral vira simplesmente J. Cabral. – Um dia eu recebo um convite de um jornalista e radialista que havia sido eleito deputado estadual e me convidou para falar no rádio. Perguntou qual era meu nome completo, quando falei, ele disse não, muito grande, vai ser J. Cabral, justificando que toda radialista tem que ter jota no nome – , justifica. Para manter a participação, o estreante tem que usar e abusar da criatividade, respeitando o ouvinte, é claro. Então num dia de poucas notícias interessantes, mas de muitas ocorrências de furto, ele cria o clichê jornalístico‘’ caminhão do ladrão’’, uma paródia do caminhão do Faustão, muito falado na época. Um dia eu me deparei com um monte de ocorrências de furto. Uma televisão aqui, uma bomba ali, um liquificador acolá. Então, surgiu assim a história do caminhão do ladrão, fui levando no bom humor e deu certo -, comenta. Então, todas as vezes que o J. Cabrão era acionada para uma participação, com as suas notícias da área policial, a expressão era lembrada de uma forma bem humorada: – J. Cabral, e ai, me diga por onde o caminhão do ladrão passou hoje? -, tascava o apresentador. O bom humor de J. Cabral lhe rendeu um novo convite, dessa vez do amigo Áureo Ribeiro, que o incentivou a montar um programa próprio de variedades. Tinha polícia, esporte e até uma dupla de humoristas, que na verdade eram dois palhaços.
Tinha uma dupla de humoristas, dois palhaços (Moisés e Edilson). Fui com eles e disse: olha eu vou fazer a parte empresarial para vocês, vou vender o show de vocês. Eles me pagavam um percentual de 20 por cento. Um dia eles quiseram diminuir meu percentual, alegando que precisavam contratar muitas pessoas. Então eu sugeri que eles aumentassem o meu percentual, que eu seria essas muitas pessoas. Se precisasse ser a escada eu seria a escada. Assim entrei para o mundo das artes. Virei ajudante de palhaço. Foram dois anos me dividindo entre a faculdade, a rádio, a políciae as artes. Fiz muitos shows. Estive em Rio Branco. O nome do show era Milionários da Alegria e Sua Equipe. Ai meu filho me perguntou pai o senhor era quem. Eu respondi, Milionários da Alegria era a dupla de palhaços e, eu, a sua equipe.’’, diz bem humorado. (risos) Sim. Fui aprovado no vestib