Em 1900 eclodiu a rebelião no Acre, que
se prolongou por três anos e, ante a ameaça de
uma intervenção direta do governo brasileiro, foi
firmado entre Bolívia e Brasil o Tratado de
Petrópolis (1903), no qual a Bolívia cederia o
território do Acre ao Brasil em troca de dois
milhões de libras esterlinas e o governo brasileiro
se comprometeria a construir a estrada de ferro
Madeira-Mamoré , para superar o t re cho
encachoeirado do rio Madeira, possibilitando o
acesso das mercadorias bolivianas aos portos
brasileiros do Atlântico (inicialmente Belém do
Pará, na foz do rio Amazonas).
Tal conflito tem sua origem ligada à
mundialização do capitalismo fundamentada na
Segunda Revolução Industrial, que passou, a
partir da segunda metade do século XIX, a utilizar
de maneira crescente a borracha, seja para a
produção de pneus seja na fabricação de correias
para máquinas e outros artefatos industriais. O
látex, matéria-prima da borracha, naquela época,
apenas era encontrado na parte sudoeste da
floresta equatorial amazônica, dividida entre a
República da Bolívia e o Império brasileiro.
Até o final do século XIX, a fronteira entre
Brasil e Bolívia foi alvo de constantes embates
entre os dois países. Segundo SANTOS (2002, p.
103), vários insucessos marcaram a tônica das
negociações bilaterais como a missão de Duarte
da Ponte Ribeiro (1851-1852) e a tentativa de
João da Costa Rego Monteiro em 1860. Esse
problema só seria resolvido com o Tratado de
Amizade, Limites , Navegação, Comércio e
Extradição, assinado no dia 27 de março de 1867.
Mesmo favorecendo a Bolívia e sofrendo duras
críticas no Brasil, nas palavras de Duarte da Ponte
Ribeiro, pois contrariava o princípio do uti
possidetis, defendido pelo Brasil, estava acertada
a fronteira entre os dois países.
Novos conflitos vieram a acontecer na
última década do século XIX em função de
problemas na demarcação dos marcos fronteiriços
entre os dois países, principalmente no que tange
à definição dos limites entre os rios Madeira e
Javari.
Neste ínterim milhares de brasileiros,
vindos principalmente do nordeste, já ocupavam
uma extensa área de terras até então
pertencentes à Bolívia, atrás de trabalho nos
seringais do local.
De acordo com SENA (2002, p. 6), a
questão dos marcos fronteiriços só se resolveria
em 23 de setembro de 1898, depois de três anos
de negociações, quando o Brasil reconhecia que
o território de Aquiri seria definido pela Linha
Cunha Gomes, considerando-o boliviano.
Aprovei tando o acordo, o minis tro
boliviano José Paravicini fundou o povoado de
Puerto Alonso, além de legislar sobre a navegação
dos rios da região, e stabelecendo taxas
aduaneiras e impostos de comercialização.
Tais atitudes do representante boliviano
não foram aceitas pelos cerca de 60 mil brasileiros
residentes no Acre e, em 14 de julho de 1899, o
espanhol Luiz Galvez Rodriguez de Arias, a soldo
do presidente da Província do Amazonas, Coronel
Ramalho Júnior, declara o Estado Independente
do Acre, solicitando sua anexação ao Brasil,
porém, tal proposta foi recusada pelo governo
brasileiro. Tal aventura durou até 9 de março de
1900, quando uma coluna militar organizada pelo
governo brasileiro terminou com Estado recémfundado
e devolveu-o para a Bolívia.
Batalhas foram travadas entre exércitos
particulares organizados pelos “barõe s da
borracha” e o exército boliviano, porém, sem
intervenção do exército brasileiro.
Para ocupar a área, o governo boliviano
fechou um acordo, em dezembro de 1901, com a
empresa The Bolivian Syndicate of New York City
in North America, cujo presidente indicado era o
filho de Theodore Roosevelt, o novo ocupante da
Casa Branca.
Nas palavras de DORATIOTO (1994, p. 77):
“uma empresa e st rangeira , o Bolivian
Syndicate. O Sindicato, como essa empresa
ficou conhecida, era formado por firmas
inglesas e norte-americanas. Ele recebeu
autorização de La Paz para explorar e
administrar o território acreano, podendo nele
arrecadar impostos, organizar polícia, manter
tropas e barcos de guerra. Enfim, a Bolívia
praticamente transferia sua soberania (no Acre)
para uma empresa privada”.
Em 1902 , em função das medidas
draconianas impostas pelo governo boliviano,
e clode uma nova rebelião de brasileiros ,
comandada pelo ex-militar José Plácido de Castro
e com o apoio do presidente do Amazonas. De
acordo com SENA (2002, p.13), o grupo de cerca
de oitocentos homens comandados por Plácido
de Castro expulsou tropas bolivianas estacionadas
no Acre, expulsou da área a diretoria do Bolivian
Syndicate para Belém, no Pará, e decretou a
segunda independência do Acre.
Para reprimir os sublevados, o presidente
da Bolívia, general José Manuel Pando prepara
pessoalmente uma pequena tropa para marchar
contra os brasileiros.
Nesse contexto de crise, assume o
Ministério das Relações Exteriores do Brasil o
monarquista José Maria da Silva Paranhos Filho,
o Barão de Rio Branco que
“Inverteu a política seguida pelo Brasil, de
reconhecer como indiscutível a soberania
boliviana sobre o Acre. Rio Branco declarou o
território zona litigiosa, lembrando o artigo XIV
do acordo de limites de 1867, o qual afirmava
que ‘se no ato da demarcação ocorrerem
dúvidas graves, provenientes de inexatidão do
presente tratado, serão estas dúvidas decididas
amigavelmente por ambos os governos’. Rio
As perdas territoriais do Estado Boliviano (1825-1935), pp. 161 - 181 175
Branco passou, então a reclamar da Bolívia o
território ao norte do paralelo 10 graus 20
minutos.” (DORATIOTO, 1994, p. 78).
Em fevereiro de 1903 , o presidente
brasileiro Rodrigues Alves deu permissão para o
deslocamento de tropas brasileiras para a área
em litígio. Nesse cenário, o Barão de Rio Branco
par te para as negociaçõe s com o governo
boliviano. Rio Branco tratou de cuidar para que o
Bolivian Syndicate não tivesse participação nas
negociações. Para tanto, o governo brasileiro
pagou para essa empresa, segundo DORATIOTO
(1994, p. 78) a importância de 110.000 libras
esterlinas para renunciar a quaisquer pretensões
no Acre, vale salientar que tal empresa não havia
feito investimentos na área.
O acordo entre os dois países foi alcançado
em 17 de novembro de 1903, na assinatura do
Tratado de Petrópolis. Sob re o Tratado de
Petrópolis, DORATIOTO (1994, p. 79) escreveu que
“por esse tratado o Acre, em um total de
191.000 km², tornou-se brasileiro. À Bolívia
coube, na região amazônica, um trecho de
2296 km², situado entre os rios Abunã e
Madeira, obtendo acesso, assim, ao oceano
Atlântico, mediante a navegação do rio
Amazonas e seus afluentes. O corredor
amazônico, nas palavras de Bradford Burns,
‘deu maior facilidade de manobra à Bolívia
em suas relações com a Argentina e o Chile,
ao mesmo tempo que a ligava ao Brasil ainda
mais intimamente’. Na região platina foram
transferidos à soberania boliviana 723 km²
sobre a margem direita do rio Paraguai,
dando ao país outro acesso ao Atlântico, além
de 194,7 km² de outras pequenas parcelas
de terra. Por não haver equivalência nas
áreas transferidas, o Tratado de Petrópolis
determinou que o Brasil pagasse dois milhões
de libras esterlinas à Bolívia. Foi estabelecido
também que o Brasil construiria entre os rios
Madeira e Mamoré uma estrada de ferro que
permitiria à Bolívia ter acesso ao oceano
Atlântico através da região amazônica.”
De acordo com dados extraídos do sítio
do Museu Paulista
“O projeto de construção da ferrovia Madeira
– Mamoré encerra um dos episódios mais
significativos da história da ocupação da
Amazônia e tentativa de integrá-la ao mercado
mundial a t ravé s da comercialização da
borracha. A intenção do projeto era estabelecer
a ligação entre as regiões produtoras de látex,
nas proximidades dos rios Madeira, Mamoré,
Guaporé e Beni (este último na Bolívia). As
primeiras tentativas, datadas ainda da Segunda
metade do século XIX, fracassaram ou por falta
de verbas ou por falta de infra-estrutura
possível, a partir de 1907, graças à experiência
da companhia americana May, Jekyll &
Randolph, que já desfrutava de considerável
Know-how na área, em virtude de projetos
arregimentação maciça de mão-de-obra. Por
esta razão, entre 1907 – 1912, período de
construção da ferrovia, cerca de 30 .000
trabalhadores de várias partes do mundo foram
engajados, dos quais aproximadamente 6.000
faleceram no local. Ironicamente, a ferrovia
Madeira- Mamoré entra em funcionamento no
ano em que tem início a derrocada da produção
de borracha nacional no mercado mundial. Mais
tarde, a opção de Juscelino Kubitschek pelo
inves timento em rodovias como via de
integração nacional se concretiza na região
nortista com a inauguração da estrada ligando
Cuiabá a Porto-Velho, em 1960. Teve início,
então, a fase de sucateamento e abandono da
fer rovia. Em 1972 , ela foi totalmente
desativada e seus arquivos incinerados.